domingo, 30 de outubro de 2011

Coisas inesquecíveis

 Ele era tudo o que eu queria ser, e tudo o que eu precisava. Amava meus defeitos como se fossem qualidades, embora eu achasse que tudo o que havia de bom em mim fosse ele. Seu sorriso brincava com seus olhos claros ao sol, enquanto ele fumava e me olhava como se eu fosse seu sol. E ele era o meu. E era tão lindo. Ele ria do que eu gostava como se eu fosse uma criança fazendo tudo errado. Era animado como quem paga uma rodada de chopp para os amigos, e mesmo quando estava ébrio continuava sorrindo. Não se importava com sua saúde e compensava se importando com a das outras pessoas. E o que mais lhe admirava nos humanos era a gratidão, embora não fosse um exemplo desta. Então ele se perdeu em seus próprios pensamentos: acredito que parte de suas boas memórias e um pedaço de seu coração. Ainda ando por aí procurando as melhores coisas que tínhamos e que ele perdeu, e às vezes recebo recados anônimos escritos por ele. Isso me faz acreditar que ele também quer que eu encontre essas coisas.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Sol da tarde

 Eu o estava esperando já fazia tempo. Ele enfim apareceu, reluzente ao sol da tarde. Seus olhos brilharam e ele me cumprimentou com um leve beijo nos lábios. Eu não queria estar em qualquer outro lugar naquele segundo. Ficamos sentados à sombra da árvore: eu cantarolava Bon Jovi enquanto ele fumava um cigarro de canela. A fumaça vinha em minha direção mas eu não me importava; era um hálito de menta que se misturava à fumaça, e era gostoso. A tarde parecia nunca escurecer, para minha calma, pois eu poderia permanecer ali para sempre se o sol permanecesse comigo. Se ele permanecesse comigo. Mas, se você está feliz, algo acaba acontecendo; as coisas nunca permanecem estáveis: e o veludo negro começou a revestir o céu. Então, da mesma forma como ele veio até mim, ele se foi, caminhando por entre as árvores e os postes de luz, e ele desapareceu. E eu acenei para onde ele deveria estar, dessa vez sem esperar nada.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Arco-Íris

 Já não me lembro com tanta clareza da cor dos seus olhos, de seu sorriso despreocupado. Já não fico tremendo ao pensar que você pode aparecer por aqui. Já não espero por uma ligação sua, grudada no telefone a tarde inteira. Sabe, muita coisa passou desde que você me deixou, e eu acho que aprendi muita coisa nesse tempo. Aprendi que, mesmo que você tenha mudado meu modo de pensar sobre as coisas, você pode não querer estar ao meu lado e, eu também posso não precisar mais estar ao seu. Aprendi que o tempo não muda em situação alguma, e que ser do seu jeito é lindo. Absorvi mais do que uma gota de sua essência: absorvi um período de chuva inteiro. Mas depois que a tempestade de você passou, percebi que mesmo sem você continuar comigo durante as noites você havia deixado um arco-íris pra mim pela janela. E o céu estava lindo outra vez, e o mundo brilhava à minha espera. E, devo dizer que ainda sinto sua falta, e, ainda que eu sinta, sei que vou sobreviver. À noite, quando me lembro de você, toda a falta que senti durante o dia, toda a solidão que você me deixou se transforma em lágrimas que escorrem sem parar, mas elas se vão afinal. E assim tem sido durante o período em que você não esteve comigo: todas as manhãs o sol clareia, e todas as noites uma escuridão me invade. E cada fração de segundo faz minha mente arder, meu coração se contorcer e meus sentidos se desviarem. Mas, mesmo tomada pela dor em cada milímetro do meu corpo, meu subconsciente gritando sua falta, mesmo que o tempo dure mais à noite, e eu sinta uma brisa gelada onde deveriam estar seus braços à minha volta, fico esperando o sol brilhar todas as manhãs. Pois é ele quem me traz um pouco das lembranças boas do que você me mostrou; ele me deixa ver, não com clareza, mas me deixa sentir você aqui. E quando sinto você não sinto mais nada. É como se o mundo parasse ao meu redor, é um tempo só meu, embora prefira me referir ao tempo como nosso mesmo que o você não seja tão real. É o tempo que tenho para passar ao seu lado, para sentir mais saudades quando voltar à vida. Para me martirizar imaginando você rindo com seus amigos, sentados à mesa, onde eu nem sequer passo por sua mente. Onde você nem ao menos me sente ou sente minha falta. Mas você vai ver o mesmo sol que eu, e, eu espero que você também se lembre de mim no mesmo momento. Espero que não tente afastar minhas lembranças, e gostaria de também lhe ter sido útil, que alguma coisa minha eu tenha deixado em você, que alguma coisa eu tenha feito certo para que sorria, mesmo que levemente, ao se lembrar de mim. E a única coisa que espero ainda nessa vida é que eu o encontre novamente, recebida por um sorriso de saudades, e possamos começar tudo denovo: as conversas, as saídas, os abraços, os risos, as bebidas, os beijos, os cigarretes, e enfim você e eu. E que dessa vez, você não se vá. Que você prefira passar por todas as coisas que passará ao meu lado, que me segure perto de você e não me deixe ir nunca mais. Mas, se eu não o encontrar por acaso, saiba que estou aqui, minha janela ainda está aberta caso você queira entrar à noite. Você pode ligar o rádio naquela música para que eu saiba que você chegou, e, de repente, quem sabe eu consiga voltar a dormir à noite. Que eu sinta um beijo seu novamente, e talvez eu me levante eufórica para lhe receber com meus abraços jogando meu peso contra você, confiando que você me segurará como antigamente. Porque eu confiaria em você mesmo depois de tanto tempo, eu confiaria me jogar de um precipício de olhos fechados se você dissesse que me seguraria. E se você resolvesse não me segurar, eu apenas sussurraria que sentiria sua falta. Não me importaria em cair e me desmanchar no chão se você não fosse mesmo me segurar. Mas sei que você me seguraria, apenas por sentir que você é o que me faz ainda estar de pé. Talvez, se você me telefonasse às vezes, eu conseguisse dormir à noite. Talvez eu não durma porque o fique esperando. Mas, mesmo sem você aqui, vou aproveitar o sol fraco em meu rosto, me esquentando, e vou aproveitar as chuvas varrendo a sujeira e preparando um arco-íris. Mesmo sem você vou aproveitar o que aproveitava ao seu lado. E mesmo sem você, vou amá-lo, sempre. Enquanto a tempestade cair e trouxer o arco-íris, enquanto o sol aparecer pelas manhãs, eu vou amar você.

domingo, 23 de outubro de 2011

Bolachinhas

 Estávamos descendo a rua correndo, com as garrafas na mão, como dois fugitivos. "Estamos fugindo" ele retrucou, "de meus pais". Ficamos dois minutos ali, rindo deliciosamente, até ele se lembrar de seu objetivo principal: me fazer engolir uma daquelas bolachas secas feito papel. Mas eu não me renderia tão fácil, e ele sabia disso embora fingisse que não. "Quando você for minha namorada, você vai comê-las todinhas". "Vai sonhando" rebati. Mas ele já me havia pego em seus braços e sussurrava em meu ouvido: "já estou sonhando".

sábado, 22 de outubro de 2011

Caprichosa

 Ela era um tanto nova para ele. Ele era um tanto calmo demais. Eles eram um pouco diferentes o bastante. O bastante para dar certo, o bastante para fazê-los brigar todas as vezes possíveis, o bastante para tudo. Eram o que se pode escolher o próprio destino. Ou talvez não o suficiente. Ambos queriam que desse certo. E quem não queria? Mas as pessoas dizem que querer nunca é o suficiente. E quem disse que foi? Ela era mimada, ele aceitava. Mas perdeu a paciência, quem não perderia? Ela só lhe respondia não, e queria todo o resto. Ele suportava suas exigências e fazia seus caprichos. Mas não durou muito tempo. Ela o amava mas nunca o disse isso. E então, ele foi embora. Estava cansado de esperar ela se tornar mais humana. E então, quando ele foi ela se tornou. Sentia falta demais para pensar em caprichos e exigências. Só queria ele de volta, mas ele já estava longe, longe...

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Louco por uma gata.

 Ah! Como era doce. Doce e rápida como uma bala, e sempre atingia direto no alvo. E dessa vez não foi. Ela já havia me feito cometer loucuras por ela. Então, quando cheguei eu a vi ali, em posição de ataque. Ela correu rápida em minha direção, suas unhas rasgaram meu ombro e ela pousou atrás de mim. Segurando meu ombro rasgado, cravando neles suas unhas vermelhas e parando sua boca em meu ouvido. Vi que ela andara afiando suas unhas felinas em meu sofá. "Me desculpe, amor, não pude resistir". Seus dentes arranharam meu pescoço, ela ronronou, puxando minha boca para a dela. Estava feito, ela me tomara por mais uma noite. Mas dessa vez não fui a bolinha de borracha da gata. Ela não correra para a noite após a diversão, saltando pela janela aberta e deixando apenas sua essência pairando no ar. Ela ficara, e dormira nua em minha cama, enrolada em meus lençóis e com a juba vermelha espalhada pelos travesseiros.