quinta-feira, 29 de março de 2012

Submissão

 Inconscientemente tudo faz parte dos meus pesadelos. Este lugar, este cheiro... Essas coisas engarrafadas nas paredes. Essas coisas. Essas coisas estão mortas! E eu me lembro bem, de ter passado correndo por aqui à quatro anos atrás. Atrás de alguma coisa. Naquele tempo, a pesquisa era a razão da vida. Tínhamos que descobrir como sair daqui, vivos. E o fim era virar experiências científicas, como essas coisas que jazem nas paredes, todas mortas. E meu grupo independente de pesquisa sobreviveu ao Estado, hoje faz uma homenagem aos que nos fizeram estar aqui e descobrir a Grande Verdade, a verdade mundial, incorrigível e incontestável para a população. Que tanto contestamos. Que tanto sofremos, encontramos e hoje, deixamos como está. Por enquanto, foi só um pesadelo. Porque ainda vamos mudar o mundo, mas não hoje. Não hoje. Obrigada por nos deixar saber. Vamos ficar calados.

terça-feira, 27 de março de 2012

Comunidade.

 Ela falava e acontecia. Era certo que aconteceria. Sempre acontecia. Ela tinha o poder das palavras, forte, definida. Ela tinha o poder da cura e da destruição nas mãos. Ela se fazia e refazia, não entendia, queria. Dizia o que não devia dizer, dizia o que ia ser. Lia nossas mãos, curava nossas dores, rogava praga e maldizia a sorte de nossos inimigos. Com aquelas costas negras suadas, bonitas e enormes virada para o sofá, cozinhava. E colocava alho na comida, picava a cebola. Abria seu baralho na mesa e jogava. Ah jogava seu futuro pelo vento, para ser a ajuda da nossa comunidade. Para ser a mãe amada. Ah, joga os dados na mesa e lê a sorte.

sábado, 24 de março de 2012

Um singelo passado.

 Ali, sentada, eu pensei que poderia mudar. Você me deu razões para esquecer o passado. Você nunca vai saber como seus lábios me deixaram sensível um dia. Aquilo que você dizia não importava, eu queria te ter do meu lado. Acho que seus lábios penetraram gelados pela minha mente, e me fizeram sentir como se eu nunca pudesse esquecer o passado (que você nem sabe que existiu em minha mente) e você nunca vai saber. Eu sou jovem e eu sou livre, mas já não consigo dormir. Como vou passar uma vida toda assim? Eu não me sinto. Olhe nos meus olhos, se você me ver, me abrace e vá embora. E agora é o que eu posso fazer: fingir que nada aconteceu. Sinto saudades.


quarta-feira, 21 de março de 2012

Quando você for jovem

 Você se parece com um velho, sentado aí e reclamando o dia todo. Toma seu café e larga a jarra na pia, depois reclama com as moscas. Sedentário, tem preguiça de levantar para mudar o canal da televisão, pega o controle remoto e diz "mas a programação toda é muito ruim". Reclama de ficar de pé, depois reclama da cadeira. Se você acha que o café está quente, saiba que não tem que beber agora, apenas não espere que ele esteja frio para chiar. Dá um tempo. Não sabe como é um fardo para mim, cuidar de alguém como você, mesmo que por um tempo. Você vai saber quando você for jovem, e tiver um filho velho como você. Então pare de reclamar da vida. Se não quer viver, então não viva.

terça-feira, 20 de março de 2012

Cuide!

 Tentando ser como Jesus. Não faça suas boas ações, se a intenção é ir para o céu. Só os pássaros vão para lá. Se pensa que seu inimigo irá pagar tudo o que lhe fez quando morrer, sinto muito, ele não pagará. A vida não é mesmo justa, nem ao menos compreensível. Apenas aleatória. Somos nós quem devemos organizar tudo isso aqui. Faça as coisas pensando em melhorar, e não em lucrar. Um mundo organizado já é um presente. Tudo queima diante do inferno, que é essa terra mal cuidada. Cuide do aqui e agora. Faça as coisas como devem ser porque tem que ser assim. Não seja assim. Seja o hoje e o amanhã. Ou o fim do mundo chegará logo. Cuide! Cuide! Cuide!

segunda-feira, 19 de março de 2012

O Galanteador

 Querida D***,
Após receber sua carta, resolvi contar-lhe essa história que me pergunta há tantos meses, já que insistes em saber a verdade.
Meu amigo, F*****, era chamado "O Galanteador" fazem cinco anos. Não era aproveitador, não senhorita, mas sim um apaixonado pelas mulheres. Amava-as inteiras, de seus cabelos macios, o tom corado de suas bochechas, suas peles aveludadas até as pontinhas mimosas de seus pés. Creio que a senhorita não acredite no que vou lhe dizer agora, mas lhe garanto que é a mais pura verdade: quando ele lhe conheceu, não foi diferente, ele a amou. Talvez ele lhe tenha escorregado pela mão, sumido algumas vezes, e, talvez até o tenha encontrado com outra bela muher, mas lhe garanto que não foi a intenção machucar-lhe. Ele não conseguia mesmo se prender a apenas uma maravilha, com tantos cabelos louros, negros e avermelhados esvoaçando por aí, com sorrisos de derreter o coração. Se sentia cercado de belas jóias e não sabia ser sério, era apenas um tolo galanteador, que pensava conseguir amar e ser amado por todas, sem pensar que as machucava.
Daí, todos sabemos que a senhorita se apaixonou por ele. A víamos apenas balançando os pezinhos sentada nas festas, esperando que ele a tirasse para dançar, recusando outros tantos corações. A via também passar por debaixo da janela de F***** e suspirar-lhe mesmo que ele não a visse. A via em sua busca quase impossível por um amor inteiro de um homem dividido. E é por respeito a esse amor é que lhe conto o que ocorreu para sua fuga repentina. E sei que a senhora pensa que fim se deu o homem, mas é de todo seu engano.
      Quando a notícia de que F***** havia fugido com uma mulher da qual só se viu o manto na qual se escondia, e que alguém os havia visto embarcar, nada mais me restou a fazer. Eu, sendo seu melhor amigo, sabia de uma dúvida que ele havia recentemente tido. Essa fuga foi apenas uma confirmação de seus anseios, e eu já sabia muito bem o que representava. Só havia restado a mim as dúvidas alheias sobre meu amigo galanteador fujão. Eu, para preservar sua imagem, contei a todos que ele se apaixonara por um belo botão de rosa e que fugiram para se casar, mas agora confesso-lhe que é mentira. Na verdade, cara D***, um belo dia meu amigo se viu apaixonado por um belo chapéu que cobria cabelos curtos e sedosos, uma face amadeirada e bem talhada, com feições fortes e um par de sapatos lustrados. Era esse homem, seu antigo amigo de colégio, com quem ele fugiu, partindo o coração de todas as mulheres da cidade.
Agora, espero que a senhorita entenda como foi difícil para ele se aceitar, e por que não pôde amá-la de todo. Apaixonados, os pobres tolos fugiram para viver longe da cidade. Espero que mantenha esse segredo que eu mantive durante esses meses. Boa sorte com o próximo galanteador.
                                                Atenciosamente, G.R.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Encontro

- O que queres tu, ainda vindo falar comigo? Decidistes com quem quer ficar? - disse ele, olhando-me tristemente.
- Terminei com ele hoje. - eu disse, enquanto uma lágrima escorria de um olho meu.
- Mas você está triste. - disse ele, apontando para a lágrima.
- Está vendo este olho que derruba uma lágrima? - digo eu, rindo-me - Se fosse com você que eu tivesse rompido, estariam chorando os dois.


terça-feira, 13 de março de 2012

A Srª Arrependida

 Antes dessa história começar eu tenho que contar uma coisa: isso é uma carnificina pública e eu vou pegar o que é meu até fazer você chorar. Você sempre foi tão forte sobre seu amor. Você me dizia as mais duras verdades, você mostrava meus medos sem vergonha. E agora está afundada até a cabeça em um relacionamento sem futuro, e não consegue terminar. Bato palmas para você. O que são todas essas lágrimas no seu rosto, Srª pé-no-chão? Agora explique-se. Mas eu acho aqui que ninguém vai ouvir suas desculpas fracas sem rir na sua cara. Você deixou que ele tomasse conta de você, eu não acredito nisso! Não vai ter paz pelo resto de sua vida. Agora não chore. Você não amava ninguém, você mentia como se não importasse, queria as coisas do seu jeito, e agora não tem nada. Tente de novo. Dessa vez seja dura com você mesma, e não com quem te ama. Mas agora, quem te ama mesmo? Acho que foram todos embora, então faça tudo sozinha. Mas não se preocupe com o que pensamos de você, porque todos vamos morrer alguma hora. E vamos todos para a mesma cova!

domingo, 11 de março de 2012

Vazio.

 É como se eu acordasse de repente, e sentisse apenas o vazio desses anos todos. Sem tristeza, sem felicidade. Vazio. E então me lembraram que esse vazio é real, que ele vem de você. Que ele se parece antigo e é irrecuperável. E que não vai ser um vazio para outra pessoa, só para mim. E tento preencher esse vazio mas só encontro vazios de diferentes tamanhos para se encaixarem nesse buraco. Esse turbilhão de nada, que me enlouquece. Que me magoa. Eu não quero ouvir nada sobre isso agora, eu estou sóbria e esse espaço entre o sangue e o coração não bate. Agora estou num espaço irreal, num tempo que não existe. Será que estou vivendo, ao menos? Eu estou tentando estagnar minha mente, para continuar viva. Isso não pode ser verdade. Eu estou caindo no vazio, de mim. E por dentro eu sei, que seria dessa forma.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Casal em crise

 Devo tê-la arrancado daquela cadeira velha e a jogado fora, cria inútil. Foi como ela me chamou da primeira vez em que a vi. Agora aquele rasgo na mão está ardendo, ela se cortou tentando me acertar e eu a joguei no óleo quente de sua cozinha. Ela sabe o quanto eu odeio aquele maldito programa de auditório? Aquelas risadas estão ecoando pela minha cabeça, não tem nada de tão divertido em jogar dinheiro fora. Essa casa está cheirando a mofo e ela cheira a alho cru. Ao menos ela aprendeu a cozinhar antes de vir morar comigo para sair da casa de seus pais, vadia. E agora estamos cometendo o mesmo erro em ficarmos juntos. Nos odiamos debaixo desse teto sujo. E assim vamos continuar porque ela tem medo de ir até a delegacia; todas as vezes em que eu acertei sua cabeça foi ela quem veio para cima de mim. Tudo o que eu ouço a noite são choros abafados e ela tem vergonha de chorar. Ela se arrependeu do dia em que saiu da casa do pai dela porque estava apanhando, para se casar. Pois não sabia que o tolo que ela usava um dia se revoltaria, e deixaria de ouvir suas reclamações de tudo o que eu fazia. Eu nunca à culpei, sabia que sua vida não era fácil, mas ela deveria ao menos ter se esforçado para me tratar feito gente. E tudo seria diferente.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Reescrever.

 Agora sim, posso viver. Agora que já não estou mais presa à aquela corrente grossa de ferro. É estranho, agora que estou acomodada assim, mudar de vida. O tempo passa num ritmo diferente, e há tantas mais coisas a fazer! Tantas coisas que o tempo parece pouco. E me vejo querendo não fazer nada. Mas tenho de me mexer, se não quiser repetir o passado. Tenho de aprender as coisas, saber o que é importante para mim. Saber como é ser apenas eu novamente. E quem vai estar do meu lado agora que as coisas mudaram. De um tempo ao outro, tudo é novo outra vez. E me vejo rodeada de críticas e opiniões velhas sobre mim. Agora vou reescrever meu futuro, que antes prometia não ser nada. Refazer minha vida a partir daqui.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Dias e dias

 Passar o dia com sono. Passar o dia na casa de alguém. Acordar cedo. Passar a noite toda fora.  Ficar em casa. Ler um livro. Dançar pela cozinha. Conversar com aquela pessoa. Assaltar a geladeira. Sair do regime. Cantar alto no chuveiro. Correr no vento. Tomar sol. Tomar chuva. Jogar um copo na parede. Escrever. Se cansar. Descansar. Rir de coisas bobas. Ser você.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Evolução

 Todos são vítimas de si. Das próprias vontades, dos próprios medos. Da própria ignorância sentimental, manias corporais, pensamentos incoerentes e raciocínios ilógicos. Não somos tão organizados assim, tão evoluídos assim. Volta e meia agimos por impulso, por acreditar no estúpido. E nosso tolo orgulho de voltar atrás... Ah, humanos, que estragam as próprias vidas e a própria moradia. Os seres pensantes que tem preguiça de pensar. Os únicos animais que se preocupam em estragar a felicidade alheia, que tem sentimentos que lhe decaem. E então, quem será que são os seres menos evoluídos do mundo?