domingo, 20 de novembro de 2011
Pecados
Deitada em minha cela, meu leito de morte, calada. Com a respiração alta falando por mim. A noite toda ouvindo a porta ranger e as sombras se esconderem por trás dos móveis. Sonhando com meu falecido amor e seus sete anjos negros a rodeá-lo. Seus sete pecados. E eu à beira do precipício, sendo empurrada por suas enormes asas contra mim, separando-me dele. Uma visão terrível para uma figurante de filme de terror barato, uma ainda iniciante. Uma completamente leiga insegura, eu. Uma quase morta. No estado em que a pele não pode ser mais pálida, e nem o corpo mais frio. E nas veias o sangue coagulado, onde injetei nada mais do que ar, pois em vida já não podia mais respirá-lo. E por entre os pedaços retalhados de meu coração todo sangue já se fora, e agora jazia no chão, junto a mim. Mas para minha surpresa não consegui livrar-me de minha carne pesada, um falso abrigo para a alma. Vivi então estagnada, em abstinência. E agora que meus amores se foram por conta de nossos pecados, me encontro aqui, andando por entre túmulos e cadáveres pútrefes. Na companhia de quem vem me buscar, do que nos leva embora. Aguardando a minha vez, usufruindo de meus últimos pecados.
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
Apaixonada
Eu telefonei mais uma vez. Mais uma vez, ele não atendeu. Mas antes disso ele foi embora. Comecei a me lembrar, da última vez em que nos vimos. Ele passou reto por mim, como se não tivesse me visto. Ou será que não viu? Não sei se alguém pode não ver outra pessoa passando na frente dela. Mas por hora prefiro não pensar naquele dia. Alguns dias antes, ele havia me chamado para sair. Me disse que iria embora, mas não disse quando. Ele me chamava de namorada, embora eu rejeitasse a idéia. Quero dizer, eu fingia que rejeitava para ouvir ele insistir. Repetir o quanto ele me queria dele. Ele havia me pedido em namoro, e eu realmente acreditei que ele me amasse. Eu me sinto culpada por ter esse meu jeito durão, talvez ele tenha me interpretado mal. Talvez ele tenha pensado que eu não o amava, e por isso foi embora. Ele me chamou para sair naquele dia, pois havíamos nos acertado no dia anterior. Eu havia dito para ele que era com ele que eu queria ficar, se ele também quisesse. Ele me mostrava junto dele para todo o mundo. Chegava a ficar enciumado, não me deixava sair de perto dele. Eu havia terminado meu namoro para ficar com ele, pois achei que... acho que não achei nada, estava vidrada demais nele para pensar. Estava apaixonada. Quando ficamos juntos antes disso, nos encontramos sem querer, no meio da rua, procurando o mesmo local. Um show de uma banda de rock cristã, que não assistimos. Ficamos sentados num banco na frente de uma loja, conversando. E ele cantava pra mim, o tempo todo, e eu implorava para que ele parasse. Era irritante. Mas ele era meu, e eu gostava até de como ele era irritante. Eu gostava de tudo nele. E antes disso, a primeira vez que o vi. Ele estava sentado na praça como se estivesse me esperando. Estava com minhas amigas, e ele comprou bebidas pra gente. Era como se eu já o conhecesse. Andamos bêbados pela cidade, ele sempre me carregando. Ele cuidou de mim, segurou minha mão. Me parecia um conto de fadas. E nos divertimos tanto, e ele contava histórias para todos ali. E ele me segurou em seus braços, me apertou forte com medo de me perder. E, meu Deus, eu me lembro da primeira vez que o vi ali, olhando pra mim, e já sabia que eu o amaria.
sábado, 12 de novembro de 2011
Jantar
Eu não sabia cozinhar, já havia dito para ele. Mas ele sempre me fazia tentar, pois apesar de a comida ficar horrível ele sabia que eu adorava cozinhar. Me acalmava. Ele me achava linda cozinhando, mesmo com avental sujo de molho e farinha nos cabelos. Ele chegava a passar três horas me observando fazer o jantar. E quando eu colocava as travessas na mesa e dizia que ele não conseguiria engolir aquilo, ele experimentava uma garfada, me beijava os lábios e dizia: "Não está tão ruim, amor. Você está melhorando." E eu mesma não conseguia comer o que eu havia preparado. Ficava vinte minutos revirando o prato com o garfo, mastigava três garfadas e o fazia sair para comprar alguma coisa melhor do que aquilo. E quando resolvíamos pedir o jantar por telefone, fazíamos um amontoado de cobertores e almofadas em frente à televisão e ficávamos assistindo algum filme enquanto o motoboy não chegava. E sempre abríamos uma boa garrafa de bebida, e deixávamos mais três ou cinco por perto. E quando a campainha tocava, ou nenhum de nós queria levantar, ou ambos saíamos correndo. E o motoboy dava risada de meu atrapalhamento sob efeito alcóolico. E ele ria junto. E sempre chamávamos o motoboy para entrar, mas ele dizia que se o fizesse seria demitido. Era um rapaz novo, de belas feições. Era seu primeiro emprego, estava economizando para pagar uma faculdade de medicina. Sempre lhe deixávamos algum dinheiroa mais. Eu gostava dele, era um bom rapaz. Sempre o elogiávamos e pedíamos para o dono da pizzaria que o mandasse quando ligássemos para pedir alguma coisa. E voltávamos cambaleando para o amontoado de cobertores e almofadas. E depois de muita bebida, alguns pedaços de pizza e vários beijos eu adormecia em seus braços. E sonhava com ele todas as noites. E acordava com barulhos na cozinha, então ele aparecia com um prato de alguma coisa que eu julgava ser comestível. Era assim que nossos avós faziam: diziam que cozinhar era a melhor forma de demostrar afeto. E ele cozinhava para mim, e eu tentava cozinhar para ele. E éramos simples, e éramos as pessoas mais felizes do mundo.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Ele (e sua real forma)
Ele chegou. Me abraçou, se enrolou em mim, me enrolou nele, me esquentou. Cantou, sussurrou, sorriu, me fez rir. Estava comigo, me ligava, me escrevia, não me deixava ir: eu não ia. Não queria. Não me deixava ficar sozinha, nem eu lhe permitia que me deixasse. Não podia. Eu sentia que era verdade. Tão verdade quanto nossas escovas de dentes juntas. Tão verdade quanto ele amassando minhas roupas. A verdade é que tinha parte dele que eu desconhecia. A parte não tão calma, não tão compreensiva; a parte não tão minha. Essa parte me ignorava, me fazia odiar, eu chorava. A queria matar, mas ela o dominava, e ele me enfraquecia. E se eu a matasse eu o mataria: assim nós três morreríamos. Seria um fim trágico, um fim como o da nobreza. E tudo acabaria. Mas como destruir tão rara e bela jóia? De acordo com meu coração, impossível. "Enterre-o!" - disse a rainha - "Decapite-o!". "Deixe-o ir..." sussurrava minha mente. Por meu amado eu desobedeceria a rainha. Disse à ele para fugir. E não suportei, que tolice a minha! Estagnei-me, morri sozinha.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Histórias
[...] e ele não voltou. Será que se esqueceu de mim? Se esqueceu, não devo significar mais do que essa caixa de cigarros jogada na mesa, e provavelmente ele já esteja indo comprar outra. Mas como ter certeza? Talvez esteja ocupado demais, talvez tenha se perdido em seus pensamentos... E no fim, quem poderá dizer que ele está mentindo, se ele, apenas ele conhece a verdade de sua mente? Quem dirá que no fim dos tempos deixamos de nos encaixar? Talvez seja apenas isso a história da minha vida. Uma fotografia, um leve perfume e uma porção de dúvidas.
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Sol no caixão.
Não era nada mais do que uma noite de chuva e dois dias de sol. Quando você sussurra você chora, e sem as palavras você sorri. Ela agora estava morta e havia um maldito sol batendo no caixão. Eu tremia de frio ao tocar suas mãos gélidas e seu vestido de cetim branco, mesmo debaixo de meu quente terno preto. E eu sussurrava para ela uma canção de ninar, embora ela já estivesse embalada num sono profundo.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Dorme agora, é só o vento lá fora...
E então a encontraram ali, estirada no chão. Seu corpo estava frio, cheio de rasuras, sangrando. Era como ela se sentia à uma semana atrás. E agora ela dormia, calma, ao som do vento no meio da avenida. E o céu cor de chocolate agora se mesclava aos medos das pessoas. Mas ninguém ouvia seu grito, um grito horrorizado, quase mudo, ao ver seu corpo sozinho cada vez mais pálido, cor de osso. Ela permaneceu olhando pela janela do quinto andar até levarem seu corpo embora. Ninguém sabia o que havia acontecido, ao menos ninguém que se importasse. E em uma semana ela estava esquecida. Foi como se ela nunca houvesse existido. E os moradores de seu apartamento a ouvem bater na janela à noite, pedindo para entrar. Mas ela nem existe, é só o vento lá fora...
Assinar:
Postagens (Atom)